sábado, 4 de outubro de 2008

Cortei a fitinha

Creio que nada melhor do que uma grande discórdia pra cortar a fita do meu frasquinho de Risperidona. Talvez tenha sido um grande motivo pra aumentar minhas doses diárias de angústia. Probleminhas esses que pretendo resolver aqui! Pra quê gastar uma fortuna contando pra um terapeuta histórias chatíssimas que ele não quer ouvir, se posso desabafar aqui, às custas do Google?
Outro ótimo motivo pra esse texto ser publicado, é a honrosa condição de ser meu primeiro passo na pseudo-literatura. Claro, "O telefone feinho" não conta, escrevi aos seis anos de idade e nem sequer saiu da gaveta da tia da escola. Bom, ao menos ganhei uma medalha por ele.
Acho que o termo "discórdia" deve ter ficado meio perdido na introdução, mas isso é caso pra outra sessão.
Bem, eis minha obra-prima:

Ele e o outro

Ele ainda sentia o outro a cada passo que dava. Não que tivesse sido machucado ou algo do tipo, mas aquilo que fizeram o marcara de uma forma sem explicação. Ainda sentia-se preenchido horas depois do ultimo toque. Lembrava daqueles silenciosos olhos verdes, dos retratos gravadas no espelho. Sentia ainda o gosta da boca, o toque dos lábios. Já tinha sentido aquele gosto antes, mas nao daquela forma. Era o mesmo, mas era diferente. Engraçado, o outro sempre o beijava com o mesmo arroubo e sempre que a lembrança dos primeiros beijos do outro chegavam, chegavam também as borboletas no estômago. Sempre. Pudera, o outro tinha uma maneira muito singular de dar esses tais primeiros beijos. Quando ele menos esperava, o outro lá ia, o puxava e cessava toda a angústia da espera.
Ele que era tão mimado e cheio de vontades, em face do outro apenas deixava-se guiar. Para onde iriam, o que fariam... Simplesmente ele deixava o outro conduzi-lo, sem deixar na verdade. Acontecia apenas.
Ele lembrava de tudo e nao lembrava de nada, detalhadamente. Mais do que lembrar, ele buscava o outro no seu corpo. Procurava mexer-se a todo momento pra sentir o vigor das marcas ainda recentes do outro na sua pele. Não sabia o porquê daquilo. Tinha sido só uma noite, ele sabia disso. Só que as lembranças eram tão enérgicas e brilhantes que ele sentia prazeres inexprimíveis quando elas surgiam.
Muitas fotografias daquele encontro foram tiradas na sua cabeça. E de todas as imagens que guardava daqueles momentos, uma ele nao acreditava que fosse esquecer algum dia. Os dois saindo do banho, lado-a-lado no espelho. A absurda simetria entre eles. A perfeição das suas formas quando em conjunto. Não entendia como um par de peças aleatórias podia ser tao perfeito. Não entendia como o outro e todo o resto nao conseguiam ver algo tão óbvio. Outro flash que certamente iria demorar a passar, era o dele com o queixo apoiado no peito do outro, ouvindo e fazendo confissões veladas, sem propósito algum, só inundando mais ainda aquela noite com suas intimidades.
Ele lembrava de como sairam do lugar onde estavam. Tão repentinamente que quando deu por si, ja estava frente a frente com o outro, despido de roupas e vergonhas, com essas jogadas pelo chão de um quarto.
Lembrava de como, dentro do taxi, depois do beijo da despedida, ainda a música não parava de tocar. Mesmo com o falante chofer puxando assuntos banais, ele ouvia aquela música. "Touch my body" ela dizia e ele sentia seu corpo tocado, de fato. Sentia com nitidez o palpitar do outro coração acelerado. Os pêlos do peito, o cheiro do peito. Aquele perfume já enfraquecido pelo suor. Tudo ainda estava ali. Sentia o gosto do outro. Tudo ainda era sentido. Tudo era sentidos. Ele ainda sentia o outro dentro de si e nada conseguia tirar.
(27/07/2008)